O declínio cognitivo não é uma sentença sobre a terceira idade. A perda da agilidade mental depende da complexa interação entre genética, personalidade e ambiente.
Luísa M., de 70 anos, acabou de comprar uma televisão. Pouco antes do início de seu programa preferido, ela tenta ligar o aparelho. Confunde-se um pouco com a quantidade de botões no controle remoto, e os comandos desaparecem da tela antes que possa lê-los.
Recorre ao manual de instruções, mas as informações logo desaparecem de sua mente, e ela não consegue executá-las. Faltam poucos minutos para o programa começar quando ela decide pedir ajuda à sua vizinha, Margarida R., que, apesar de três anos mais velha, compreende rapidamente as orientações do manual e liga a TV. Só então Luísa se dá conta de que tem tido lapsos de memória cada vez mais frequentes. E já não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo, ainda que sejam muito simples – por mais de uma vez colocou a água do café para ferver e esqueceu a panela no fogo. Acredita que seu problema seja “a idade”, mas se pergunta por que Margarida não enfrenta as mesmas dificuldades. Seu questionamento também tem intrigado cientistas. Até o início desta década, as pesquisas sobre as bases psicofisiológicas da memória de trabalho (ou de curto prazo, que é limitada e permite o armazenamento temporário de informações) e outras funções cognitivas compararam a atividade cerebral de jovens e idosos.
Os resultados retratam o desempenho médio grupal do cérebro maduro, sem considerar diferenças individuais, o que não esclarece se eventuais sinais de declínio cognitivo são realmente consequência da idade ou se as pessoas que participaram dos estudos apresentaram baixo rendimento ao longo de toda a vida. Apenas recentemente os estudos passaram a focar variáveis como genética, personalidade e qualidade de vida. E vários deles sugerem que elas são decisivas no processo de envelhecimento neural. Os procedimentos de neuroimagem, realizados por ressonância magnética funcional (IRMf), permitem distinguir quais regiões do cérebro são mais ativadas durante processos de resolução de problemas. Esse método registra as alterações que ocorrem no fluxo sanguíneo neural. Por meio delas é possível reconhecer as redes que entram em funcionamento de acordo com o tipo e o grau de dificuldade do exercício que a pessoa resolve no momento do teste. Em um estudo desenvolvido em 2009, nossa equipe de trabalho, no Instituto Max Planck, em Berlim, conseguiu relacionar, utilizando a IRMf, a capacidade de rendimento individual de pessoas na terceira idade com sinais de ativação cerebral. Em um dos experimentos, os participantes – 30 deles com 20 anos, em média, e outros 30 com mais de 60 – tiveram de solucionar exercícios que os obrigavam a utilizar a memória espacial. Os voluntários deveriam lembrar a posição de pontos que apareciam, por breves momentos, em uma tela, enquanto estavam dentro do tubo de ressonância. Em algumas ocasiões aparecia um ponto isolado; às vezes, três ou até sete pontos dispersos. Quando esses sinais desapareciam, imediatamente surgia uma cruz; logo depois, outros pontos. Os participantes deveriam reconhecer, portanto, se os pontos mostrados na última exibição estavam na mesma posição da imagem anterior.
No cérebro dos mais jovens, a imagem composta de sete pontos ativava, com maior intensidade, o lóbulo frontal do córtex e o córtex parietal posterior (área com função destinada a memórias de longo prazo). Faz sentido, já que geralmente os testes complexos exigem esforço cognitivo mais intenso. No caso de pessoas com mais de 60 anos, porém, esse ajuste de ativação não funcionou. Especialmente os mais idosos com menor rendimento apresentaram pouco aumento de ativação do cérebro durante as tarefas mais complexas; em alguns casos, essa reação diminuiu – foi constatado que o ajuste inadequado do processo de ativação das regiões cerebrais coincidia com o menor rendimento. Algo semelhante ocorre com a estabilidade momentânea do funcionamento neural, como foi demonstrado pelos psicólogos da equipe de Brian Knutsen, da Universidade Stanford, em 2010. Eles pediram que 54 adultos, entre 21 e 85 anos, escolhessem um investimento financeiro – fundo de renda fixa ou ações. Essa decisão traria lucros ou prejuízos, de acordo com probabilidades preestabelecidas. Os cientistas observaram, principalmente, como os avaliados fugiam das decisões típicas de um investidor racional, ou seja, optar por ações de risco somente quando os acontecimentos anteriores asseguravam que valia a pena. Exames de imagem comprovaram que a ativação do cérebro mostrava picos curtos de atividades nos adeptos do risco. Entre outras regiões, aumentava a recompensa do cérebro médio, sobretudo no miolo central. Em pessoas mais velhas, a variação da atividade neural nessa área foi mais ampla e apresentou maiores índices de erro. Os pesquisadores concluíram que os voluntários de maior idade tinham mais propensão a correr riscos desnecessários. A capacidade defasada da memória de trabalho e a dificuldade de avaliar as opções parecem, portanto, associadas a déficits do processamento neural. Ainda assim, alguns idosos – os que detinham maiores recursos intelectuais – obtiveram bons resultados, chegando a um padrão semelhante ao de um indivíduo jovem. Como isso é possível?
A distribuição da atividade neural depende de vários aspectos: a densidade da massa cinzenta e do córtex cerebral, as conexões das áreas cerebrais (massa branca) e a disponibilidade de neurotransmissores. Entretanto, muitas pesquisas indicam que essas características mudam com a idade, o que parece justificar as diferenças na capacidade intelectual. O momento em que os processos de envelhecimento cerebral aparecem e a velocidade com a qual avançam dependem de fatores genéticos, entre outros. Isso foi comprovado no caso da dopamina, neurotransmissor responsável por inúmeras funções cognitivas complexas. Uma enzima de nome complicado, catecoloximetiltransferase (COMT), regula a quantidade de dopamina no cérebro. Ela se encarrega de bloquear transmissores específicos para os receptores que se encontram unidos às células nervosas; isso significa que, quanto maior a quantidade de COMT, maior a inibição de dopamina. Cada gene que contém instruções para a síntese da enzima COMT tem variants (polimorfismos), podendo se expressar na forma Val (mais rápida) ou Met (mais lenta). Quando os pares cromossômicos são combinados, de cada um deles derivam quatro genótipos: existem pessoas com Met/Met, outras que misturam Val/Met ou Met/Val e as que possuem Val/Val. O primeiro grupo dispõe de maior quantidade de dopamina; assim menos neurônios se degradam em razão de menor disponibilidade de dopamina. Na prática, parece que a presença dessa substância mantém o cérebro jovem por mais tempo. Métodos modernos conseguem comprovar o genótipo de diversos grupos de pessoas e relacioná-los aos resultados de sua capacidade cognitiva. Assim aconteceu em 2008: solicitou-se que jovens e idosos resolvessem um exercício semelhante ao de memória espacial, descrito anteriormente. Foi encontrado o genótipo correspondente à enzima COMT em cada participante por meio de testes de DNA, e posteriormente comparados os valores. Os mais velhos alcançaram pontuações diferentes, dependendo da disponibilidade de dopamina identificada: quanto maior a presença da substância, melhor o rendimento. Com os jovens foi diferente. Um fator genético que apenas desempenha função relevante na juventude pode exercer influência na velhice? Na verdade, duas reações simultâneas se misturam nesse caso. Com o passar dos anos, a quantidade de dopamina no cérebro diminui. Aqueles que apresentam menor quantidade.
Com o passar do tempo, a influência genética é decisiva apenas em certa medida; escolhas e estilo de vida também são fundamentais da substância (por causa do genótipo COMT) podem mostrar, como consequência, deficits cognitivos. Não significa que a quantidade de genes varie ao longo dos anos, e sim que as diferenças genéticas ganham peso com as mudanças proporcionadas pela idade. Foram encontrados fenômenos semelhantes em outros genes que influenciam a capacidade mental. Assim, o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, na sigla em inglês) está envolvido na aprendizagem e na formação da memória. Destaca-se aí a extraordinária dinâmica da influência genética, que parece desvendar, cada vez mais, a diferença de desempenho cognitivo com o avanço da idade.
Por outro lado, sabe-se que o estresse é um dos grandes responsáveis pelo envelhecimento crônico. Ainda assim, vale lembrar que muitas vezes aquilo que um indivíduo considera um fardo pode não ser um problema para os outros. Um fator que aumenta a propensão ao estresse é a instabilidade emocional. Segundo constatações de pesquisadores da Universidade Rush, de Chicago, pessoas com alta pontuação nesse traço de personalidade sofreram maior declínio cognitivo na velhice. Já os mais equilibrados, que se abatem menos por circunstâncias externas e conseguem manter a lucidez e o otimismo mesmo em situações difíceis, costumam ter mais chances de envelhecer com saúde. Reconhecer características individuais é importante, tanto no aspecto intellectual quanto no que diz respeito a emoções e motivação dos idosos. Entretanto, os fatores que realmente podemos controlar no caminho do amadurecimento ainda são uma incógnita. De qualquer forma, já sabemos que é possível interferir positivamente no processo de envelhecimento: um estilo de vida saudável e estimulante – que combine atividades físicas e cognitivas – é uma boa garantia para a manutenção do intelecto. O melhor de tudo é que muitos ainda descobrem que participar de aulas de dança ou fazer trabalho voluntário, por exemplo, pode ser muito divertido.
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