Descobertas revelam a influência da personalidade, do relógio biológico e da quantidade de alimentos ingerida para garantir uma vida mais longa e saudável - Cilene Pereira e Mônica Tarantino
A IMPORTÂNCIA DO RELÓGIO BIOLÓGICO - Um dos grandes desafios da medicina é descobrir como manter regulado o nosso relógio biológico, também chamado de ritmo circadiano, com o passar dos anos. Ele consiste em um ciclo de 24 horas durante o qual a temperatura do corpo, a atividade cerebral e a produção de hormônios variam com a mesma regularidade. Ao longo do envelhecimento, esse relógio vai perdendo a capacidade de se ajustar ao ambiente. A mudança pode ser notada por alterações no tempo de vigília e sono, por exemplo. A pessoa começa a dormir menos horas ou desperta mais vezes durante a noite, sem entrar com facilidade no sono que é de fato restaurador, o REM.
O problema é que prescindir desta fase do sono é tirar do corpo uma magnífica oportunidade de se restaurar. É nessa etapa, por exemplo, que o corpo produz o hormônio do crescimento, indispensável para a regeneração das células. Também é neste período que há a consolidação da memória – ou seja, quando o cérebro guarda as informações que considera relevantes. “Paga-se um preço alto pela desorganização do relógio biológico”, diz a neurologista Dalva Poyares, especialista em medicina do sono da Unifesp.
Alto mesmo. Uma ampla revisão de 16 estudos feita por cientistas do Reino Unido e da Itália, publicada na revista “Sleep”, revelou o tamanho desta conta: quem dorme habitualmente menos de seis horas por noite tem 12% mais probabilidade de morrer nos próximos 25 anos do que os que dormem entre seis e oito horas.
GINÁSTICA MENTAL - Julia Grimaldi e o marido, Aderbal, ambos com 68 anos, há duas décadas decidiram mudar a rotina de vida para envelhecer bem. Controlam o peso, fazem exercícios, saem com os amigos. “A cabeça também não pode parar. Meu marido estimula os neurônios trabalhando e falando idiomas. Eu leio muito, assisto a filmes e agora vou praticar outro idioma para me estimular”, diz Julia
Entre outros impactos de um ritmo circadiano desequilibrado estão os prejuízos à ação da insulina, o hormônio que leva a glicose – o combustível do organismo – para dentro das células. “Apenas uma noite maldormida pode dificultar a capacidade de o corpo usar a insulina”, explicou Esther Donga, da Leiden University Medical Center, na Holanda. Ela liderou um estudo acerca do tema divulgado no “Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism”. O resultado é a vulnerabilidade maior à diabetes tipo 2, caracterizada pelo mau funcionamento da insulina.
Outro hormônio afetado é o cortisol. Ele é secretado pelo organismo nas quatro primeiras horas de sono e sua participação é essencial na regulação do sistema de defesa do corpo. “Quem dorme menos do que precisa tem mais gripes, mais infarto, mais déficit de atenção”, diz o neurologista Marco Túlio de Mello, do setor de psicobiologia da Unifesp.
Portanto, outra lição que começa a ser entendida pelos estudiosos do envelhecimento é que, quanto mais regulado o relógio biológico, menos desgaste sofre o corpo e maior a longevidade. Essa é a razão que está levando centros de pesquisa a procurar formas de preservar ou de restaurar o ritmo circadiano.
Um dos meios pelos quais é possível manter acertados os ponteiros do relógio biológico é regular o horário das refeições. Dessa maneira, o corpo sabe que, em algumas horas, irá receber comida e começa a se preparar, aumentando o suco gástrico do estômago, por exemplo. É um modo de organizar seu funcionamento. “Aos cegos, por exemplo, que não têm o marcador temporal da luminosidade, recomenda-se que façam as refeições sempre no mesmo horário”, explica o cientista John Fontenele Araújo, da Universidade Federal de Natal, especialista em cronobiologia. O neurologista Marco Túlio, da Unifesp, orienta ainda a ingestão de pequena quantidade de alimentos a cada três horas, para manter o gasto energético constante. “Isso também funciona.”
Outro conceito a ganhar força é o respeito ao cronotipo de cada um. Fala-se aqui da categoria dos matutinos e dos vespertinos. Os primeiros sentem-se mais despertos pela manhã e os outros estão mais ativos horas mais tarde. “Quanto mais a pessoa respeitar seu ritmo, melhor produzirá e menos desgaste vai sentir”, diz a enfermeira Maria Filomena Ceolim, professora da Universidade Estadual de Campinas, estudiosa da medicina do sono.
QUANTO COMER?
A relação entre a quantidade de alimentos ingerida e a velocidade do envelhecimento está cada vez mais clara para a ciência. Trabalhos com cobaias mantidas sob um regime de restrição calórica mostram que a medida tem benefícios importantíssimos. Um dos estudos, realizado na Universidade de Washington, apontou que o corte de 10% a 50% das calorias fez com que os animais envelhecessem com menores índices de tumores, doenças cardiovasculares e problemas de aprendizagem e memória. De modo geral, as pesquisas indicam que a estratégia dobra e até triplica o tempo de vida. Baseados nessas informações, médicos e nutricionistas começam a ressaltar a importância de comer menos para viver mais. Mas quanto menos? “A redução deve ser de 20% a 40% no total de calorias ingeridas por dia”, explica a nutricionista funcional Lucyanna Kalluf, de São Paulo.
Comer menos do que o habitual emagrece, é claro. Com isso, diminui-se o risco de doenças associadas à obesidade, como a hipertensão e a diabetes tipo 2. Consequentemente, reduz-se o risco de morte. Mas o que as pesquisas demonstram é que a restrição calórica atua em uma esfera ainda mais profunda: ela provoca um impacto no material genético. O que se descobriu é que, quando há menor disponibilidade de alimentos, o organismo ativa um gene, o Sirt1. Ele determina que as células funcionem de modo econômico, gastando menos energia, para que consigam sobreviver mais tempo. “Esse metabolismo mais lento submete o organismo a um desgaste menor, o que reduz a produção de substâncias que agridem as células”, disse à ISTOÉ o cientista Shin-Ichiro.
Pesquisador da Universidade St. Louis, nos EUA, ele encontrou outra maneira de ligar o tal gene, que não passa pela restrição calórica. “Identificamos uma substância, a coenzima NAD, que tem a capacidade de acioná-lo”, disse. O cientista prepara-se para testar substâncias similares, fabricadas em laboratório, para ver se ativam o Sirt1. Se conseguirem, será mais uma alternativa para garantir uma vida mais longa.
Como as pesquisas nesta área avançam rapidamente, já há a constatação também de que para atrasar o envelhecimento não basta simplesmente comer menos. Um trabalho feito por pesquisadores alemães e ingleses concluiu que cobaias submetidas a um regime de restrição, mas que ingeriram boas quantidades de aminoácidos, tiveram tempo de vida ainda maior. Os aminoácidos são as moléculas usadas na construção das proteínas, compostos fundamentais para o correto funcionamento metabólico do corpo e também para a saúde dos tecidos. Muitos são produzidos pelo corpo, mas alguns são encontrados nos alimentos.
HUMOR QUE SALVA - O assessor político Paulo Cavalcanti, 54 anos, é visto pelos amigos como uma pessoa de temperamento exemplar, daquelas que conseguem manter a calma e fazer piadas que tiram a tensão do ambiente nas situações mais difíceis. O filho dele, Vinícius, 24 anos, vai pelo mesmo caminho. “Cultivo o bom humor. Sei que é um jeito de impedir que o
desgaste do stress prejudique meu organismo”, afirma.
Segundo a equipe do Instituto Max Planck de Biologia do Envelhecimento, na Alemanha, há um aminoácido em especial, a metionina (que o corpo não produz), que é crucial para aumentar a longevidade. “Ela é muito importante para a regeneração celular e livrar o fígado de toxinas”, afirma Lucyanna. Boas fontes de metionina são as sementes de gergelim, castanha-do-pará, germe de trigo, peixes e carnes. Há ainda muitas substâncias que ajudam a preservar as células do envelhecimento, os chamados fitoquímicos, que precisam estar presentes à mesa (leia quadro).
Também começa-se a conhecer melhor o que não deve entrar no cardápio. Recentemente, por exemplo, o cientista M. Shawkat Razzaque, da Harvard School of Dental Medicine, obteve mais evidências de como o consumo excessivo de refrigerantes pode ser prejudicial. A bebida possui fosfato, substância que parece encurtar o tempo de vida. Ele chegou a essa conclusão depois de realizar estudos em animais. Aqueles que apresentavam níveis tóxicos viveram de oito a 15 semanas. Os que tinham menores quantidades no organismo, 20 semanas. “A pesquisa sugere que a quantidade de fosfato influencia o processo de envelhecimento”, afirmou Gerald Weissmann, editor-chefe da revista científica “Faseb”, que publicou o estudo. Qual é o efeito negativo dos índices elevados do composto? “A soma do fosfato pode ser facilmente tolerada durante a juventude por causa do bom funcionamento dos rins, mas a mesma quantidade representa uma carga extra para rins envelhecidos”, disse Razzaque à ISTOÉ. Portanto, se quiser viver mais, o melhor é adicionar aminoácidos e diminuir – ou retirar – os refrigerantes do cardápio.
ORGANISMO REGULADO - O geriatra Clineu Almada monitora o estado emocional dos seus pacientes, a qualidade do sono e a memória. “São bons marcadores para avaliar o ritmo do envelhecimento. Bem regulados, também ajudam a prevenir que o desgaste natural da idade avance mais rapidamente”
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