Moradores convivem em sistema semelhante às casas de estudantes. Ideia de moradia coletiva tornou-se referência para outras cidades.
"Gosto de viver aqui porque a gente é livre para fazer o que quiser, não tem ninguém para controlar a hora, que horas você sai. Vivemos como em família". A declaração de Maria Alicia Costa, de 85 anos, resume como é viver em uma das repúblicas de idosos em Santos, no litoral de São Paulo.
A idosa mora na república Renascer há 12 anos. Sua chegada à casa, assim como a maioria dos moradores, foi por falta de opção. “Trabalhei durante muito tempo tomando conta de uma senhora. Quando ela morreu não tive mais onde ficar”, conta a aposentada que nunca se casou. Maria Alicia tem um irmão que vive em Santa Catarina, com quem mantém contato.
A primeira república de idosos surgiu em 1995 em Santos. As três unidades da cidade abrigam 29 idosos, com idades entre 60 e 87 anos, e funciona como a de estudantes. Cada morador paga uma mensalidade de R$ 76,72 e dividem as contas de água e luz, o que gera despesa mensal de aproximadamente R$ 100.
Alguns são aposentados, outros ainda trabalham fora. O que recebem de renda é usado para suas próprias contas como, lazer, remédios, alimentação e outras despesas.
Maria Arlete Silva têm 71 anos e vive há 10 anos na república. Com duas irmãs na cidade, ela diz que conheceu o local por intermédio de uma amiga que vive no lar. “Tentei morar com minhas irmãs, mas não deu certo”, conta a aposentada.
Já Odete Leite, 74 anos, que vive há quatro anos na república Renascer, diz que a chegada não foi por acaso. “Quando meu marido ainda era vivo, li uma matéria falando sobre a república de idosos. Achei interessante, cortei e guardei, pensando que um dia poderia precisar”, diz ela, que buscou o recorte quando foi necessário. “Falei com a Celiana, eles foram na minha casa, viram que eu precisava e eu vim pra cá”.
Para morar no local, o idoso precisa morar em Santos, ter no mínimo 60 anos, ter independência física e psicológica e receber de 1 a 2 salários mínimos. A pessoa não deve ter família, ou não manter um bom relacionamento.
Celiana Nunes, chefe da seção de repúblicas da Prefeitura de Santos, explica que o aluguel do local é feito para que o idoso se sinta em casa. “O valor que eles pagam é simbólico para que eles sejam autossuficientes e capazes de pagar suas contas. O que recebem de aposentadoria é livre para que façam o que quiserem”.
Vida ativa na terceira idade
Além do histórico que habilita essas pessoas a viverem na república, outro ponto em comum entre todos os moradores é a independência e liberdade, lembrada como prioridade pelos entrevistados.
Odete já se sentiu descriminada por morar na república. “Uma vez fiquei conversando com uma mulher no ônibus na maior amizade. Quando falei que morava numa república de idosos ela mudou comigo, cortou a conversa. Muita gente confunde república com asilo”, deduz a administradora.
A aposentada tem uma filha, com quem morou por um tempo. “Não deu certo por causa da diferença de idade. Os jovens pensam e agem diferente da gente, tem outros valores”. Mesmo sem morar juntas, Odete costuma ir todos os dias na casa da filha, que mora perto da república e espera pelo primeiro filho. “Vou ser avó aos 74 anos. Não esperava por isso”, conta.
Odete têm ainda um perfil no Facebook, onde mantêm contato com alguns amigos. Na rede social buscou contatos de outras épocas, mas não encontrou ninguém. “Não quero perder tempo. Não assisto TV, porque pouca coisa se tira de proveitoso lá. Tem muita baixaria, um traindo o outro. Na TV vejo basicamente o telejornal”.
Outra moradora do local é Maria de Lurdes Correa, 76 anos. Nascida em Santos, Lurdes trabalhou 30 anos como telefonista e vive há cinco anos na república de idosos. Nunca casou ou teve filhos. Ela diz que já namorou muito, mas gostava da liberdade de fazer tudo o que gostava, sem dar satisfação. “Um conselho que eu dou para todo mundo é não se esforçar demais. A gente fica louquinho”, comenta Lurdes.
A semana de Lurdes é cheia de atividades diárias. “Na segunda e na sexta vou para a aula de computação na Fatec, na terça vou passear. Na quarta tenho ensaio com o coral e na quinta me reúno com as ex-alunas da Universidade Aberta da Terceira Idade”, diz. “Nunca tive uma vida parada”.
Lurdes mora na república com outras nove pessoas. “A convivência não é sempre fácil, mas assim como num emprego a gente tenta se dar bem com todo mundo, já que cada um faz sua vida aqui”, explica.
Divisão de tarefas
Os moradores das repúblicas cuidam da limpeza e organização de tarefas, que são feitas por todos. Cada um tem suas responsabilidades, que são revezadas para que todos façam um pouco de tudo. Tudo é decidido em grupo. As casas possuem regulamentos e estatutos decididos pelos idosos, e que muda de acordo com as necessidades da maioria.
Odete é responsável pelas finanças e despesas da casa. Ela afirma que a atividade é uma distração, já que trabalhava como assistente financeira antes de se aposentar. "Adoro tecnologia, gosto de ficar por dentro das coisas, aprender. Fiz aulas de computação, gosto de sair. Sou muito ativa", conta.
Cada morador cuida de sua própria refeição. Uns preparam em casa, outros comem em restaurantes ou nas unidades do Bom Prato, onde almoçam por R$ 1. “Às vezes, eles saem daqui para almoçar em São Vicente, só para andar”, explica a chefe de departamento da Prefeitura de Santos.
Fora as reuniões periódicas com assistentes sociais e com a coordenação das repúblicas, a casa dos idosos é exclusiva deles. A prefeitura organiza cursos fora das repúblicas, para não atrapalha a rotina dos idosos que não queiram participar, além de passeios. “Mantemos assim, para que eles se sintam a vontade. Aqui só vem quem eles querem e quando querem”, acrescenta Celiana.
Em 2011 uma equipe do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome esteve na cidade para preparar um manual com orientações técnicas para que outras cidades desenvolvam ações semelhantes.
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