A vida corrida das grandes cidades está matando cada vez mais pessoas do coração. Quem afirma é o cardiologista Fábio Villas-Boas, 45. O baiano, que se formou pela Ufba e fez especialização na USP, exibe na parede do seu consultório, no Hospital Espanhol, diplomas e títulos de institutos que se tornaram grifes mundiais. Doutor pelo Instituto do Coração (Incor) e membro efetivo das sociedades europeia e americana, o especialista coordena o Serviço de Cardiologia do hospital baiano. Sob sua responsabilidade está ainda o setor de tomografia cardiovascular. E é nessa área que o médico comemora os principais avanços na prevenção de doenças coronárias, uma das maiores causas de morte em todo o mundo. Em seu consultório particular, em frente ao mar do Porto da Barra, nada de plano de saúde. Fora dali, ele dedica, voluntariamente, um dia da semana aos portadores de doença de Chagas, no Hospital Santa Izabel. Foi lá que as pesquisas que coordenou, usando células-tronco, renderam-lhe prêmios e abriram caminhos para a evolução no tratamento dessa enfermidade. Apesar de não ter cadeira em universidade, por opção, Villas-Boas comanda um centro de pesquisas na instituição centenária criada pela comunidade galega.
As doenças cardiovasculares eram mais comuns em idosos com histórico familiar. Hoje, há um crescimento entre jovens e sem histórico. O que mudou?
Basicamente, o estilo de vida ocidental. Os hábitos da vida moderna são os maiores inimigos do coração. As pessoas vivem em função do trabalho, o lazer fica sempre para depois, além disso, têm uma alimentação inadequada, ingerem alimentos ricos em carboidratos simples e gorduras saturadas, que fazem ganhar peso e alimentam o processo de deposição de gorduras nas artérias dos vasos - o que vai causar o entupimento, com consequências graves e até a morte súbita.
Quais são os maiores fatores de risco?
Tabagismo, pressão alta, diabetes e colesterol alto. Isso, em uma pessoa que tem ainda predisposição genética. Temos aí o quinto fator de risco. O determinante para ser hipertenso, ter colesterol alto e diabetes está na raiz da vida que a gente leva, sem se exercitar, sem se alimentar bem, com aborrecimentos...
Há um crescimento dessas doenças?
Sim. A gente vê casos de doenças cardíacas cada vez mais precoces. Hipertensão em pessoas com 30 anos é extremamente comum. Aí você me pergunta: como se fica hipertenso tão cedo? Comendo muito sal, sendo sedentário...
Mas tem a predisposição genética?
Sim, e isso funciona tanto para hipertensão como para a aterosclerose e a diabetes. Você tem que ter um perfil de padrão de genes que possam ser ativados para desenvolver essas doenças.
O segredo é prevenir-se?
Sim, você tem que atuar lá atrás para evitar os fatores de risco e impedir que a aterosclerose comece. Se você não é fumante e tem uma vida saudável, estará evitando hipertensão, diabetes e colesterol alto, que são fatores de risco modificáveis. Agora, se a pessoa tem pai ou mãe com histórico de problema cardíaco, é entregar a Deus.
Tem como reverter o quadro?
Depende do estágio. Em qualquer um desses casos, ao mudar o estilo de vida, você vai impedir que isso progrida. Se a pessoa emagrecer, fizer atividades físicas e mudar a alimentação, mesmo que já tenha uma placa de gordura, que não entupiu ainda, ela não vai evoluir.
O conselho então é "mudança já"?
Em qualquer momento em que mudar, você vai melhorar seu prognóstico. Pode não voltar para a mesma curva de sobrevida de uma pessoa que sempre teve uma vida controlada, mas comparado àquele que não mudou, tem chances de viver mais. As estatísticas mostram que 40% dos pacientes com doenças coronarianas não apresentam fatores clássicos de risco. Isso quer dizer que a gente consegue identificar numa população fatores de riscos que estão associados ao desenvolvimento da doença, mas eles não são 100% determinantes. Ou seja, sou hipertenso, vou ter infarto? Não. Tenho colesterol alto, vou ter infarto? Não. Agora, quanto mais fatores se tem, maior é a chance.
Quais os avanços no diagnóstico preventivo das doenças do coração?
Hoje há testes que permitem medir o risco individual. Na área de imagem, você consegue identificar os primeiros sinais da aterosclerose com precisão, por meio da tomografia do coração. Antes, o diagnóstico era feito com exames de sangue, raios-X e teste de esforço, que só detectam a gravidade quando a artéria tem mais de 75% de entupimento. Então você está fazendo diagnóstico tardio, você só pega o problema daqui para a frente. Para trás, o teste pode dizer que você não tem nada, mas pode estar com 69% de comprometimento. Com a tomografia, enxergamos as pequenas placas de cálcio e de gordura.
Quando é indicada a tomografia?
A sem contraste é indicada como uma complementação, em pacientes que foram avaliados pelo Escore de Framingham e identificados com risco intermediário ou baixo. Quanto mais alto o escore de cálcio, maior o risco. Já a tomografia com contraste é indicada para quem tem sintomas ou teste de esforço e cintilografia alterados.
Hoje os níveis de colesterol são avaliados individualmente, não valem mais os valores indicados nos laudos dos exames?
Exatamente. A coisa mais normal é o paciente chegar ao consultório e dizer que o colesterol está normal. Ele vê os valores de referência no resultado do exame e conclui que está bem. Não é assim. O correto é correlacionar o nível do colesterol com o seu perfil de risco.
O que é mais perigoso, a calcificação ou as placas moles?
Uma placa mole tem mais chance de romper. O cateterismo vai lhe dar uma amostra de raios-X da luz do vaso. Como a placa mole fica do lado de fora, na parede, como se fosse um tumor, você só visualiza na tomografia. Quando se faz um exame desses, você detecta essas bombas enormes, prontas a explodir e matar. Os exames modernos trazem informações mais completas para que o médico possa tomar decisões e fazer o diagnóstico. É o que chamamos de aterosclerose pré-clínica. Conseguimos ter um diagnóstico dez anos antes de o problema surgir.
Estudos mostram que mais de 40% da população mundial é hipertensa e não tem conhecimento disso. Como fator isolado, qual o risco efetivo de não se cuidar?
São vários os riscos. A hipertensão é uma das causas de aterosclerose e, mantendo-se alta, causa insuficiência renal. No caso da aorta, pode formar aneurismas.
Os hipertensos controlados vivem bem?
Maravilhosamente. Os remédios de hoje são muito bem tolerados.
O conceito popular de que o infarto é fulminante em jovens e menos grave nas pessoas mais velhas é verdadeiro?
É verdadeiro. O indivíduo idoso tem doença multivascular, dificilmente ele tem um vaso só doente, mas vários. Então ele pode ter um infarto de artérias menores, menos importantes, e acontece com muito mais frequência. Num jovem, geralmente, as lesões são focais, então quando ele tem uma lesão grande naquele lugar, ele pode não resistir.
As pessoas confundem dores na região torácica com infarto ou angina. Qual é a dor com que o indivíduo deve realmente se preocupar e correr ao hospital?
Se a pessoa não sabe diferenciar, tem de ir ao médico. A dor da angina, que acontece subitamente, não é estável. Se você está conversando e tem uma dor, sem se aborrecer, isso é uma síndrome coronária, você tem de ir ao hospital. A dor que preocupa não é a que você aponta com o dedo e que demorou alguns segundos. A dor do coração demora, no mínimo, de três a cinco minutos. Ter dor significa que deve ter sido uma obstrução prolongada, a última coisa que vai existir na cascata de eventos de uma obstrução coronária é a dor, ela vem por último.
Na mulher, os sintomas são outros?
A mulher tem chance menor de ter doença cardíaca, mas, quando chega à emergência, o médico não valoriza a dor que ela diz sentir, muitas vezes, nem faz um eletro, porque a descrição não é a que aprendeu na faculdade, não é uma dor típica de infarto. Ela se queixa de mal-estar, cansaço, incômodo... É por isso que a mortalidade por doença cardiovascular na mulher é mais alta do que no homem. Uma mulher que tem infarto tem chance maior de morrer do que um homem.
Que providências devem ser tomadas quando a pessoa, mesmo saudável, acha que está tendo um infarto?
Para a pessoa que não tem doença coronariana, tendo sintomas, o que ela tem que fazer, que pode salvar a vida dela, é colocar uma ou duas aspirinas infantis na boca, mastigar e engolir, na hora. A aspirina vai reduzir em 40% o risco de morte.
Então quer dizer que aquela máxima de que se deve tomar uma aspirina por dia ainda é válida?
Não. Para a pessoa que não tem doença coronariana e que nunca teve uma placa diagnosticada, ela reduz, sim, o evento, mas reduz pouco e, em compensação, aumenta o risco de sangramento. Então a recomendação para tomar a aspirina, para quem não tem nada, é muito fraca. Você deve pesar muito na balança. O que eu faço é tentar identificar o risco individual. Se eu faço um desses testes de imagem e encontro muitas placas, eu dou aspirina e remédio de colesterol. Se a pessoa não tem nada, não tem por que usar aspirina. Já a pessoa infartada, dou aspirina até o dia que Jesus chamar. É aspirina e remédio para colesterol a vida toda.
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