O cronômetro do cérebro - Compostos encontrados no sangue podem indicar o grau de envelhecimento cerebral
Um grupo de pesquisadores brasileiros parece ter encontrado uma forma simples e pouco invasiva de medir o grau de envelhecimento do cérebro. Em estudos com roedores e com seres humanos, eles observaram que o nível de três compostos encontrados em células do sangue pode refletir a saúde das células cerebrais. A expectativa é que, caso os testes que ainda precisam ser realizados sejam bem-sucedidos, se chegue a uma forma de identificar doenças neurodegenerativas como o Alzheimer e o Parkinson nos estágios bem iniciais, antes de os sinais clínicos surgirem.
“Encontramos no sangue de pessoas com essas doenças um conjunto de compostos que indicam a produção excessiva de substâncias tóxicas no cérebro”, explica o farmacologista Cristoforo Scavone, chefe do Laboratório de Neurofarmacologia Molecular no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores da pesquisa.
Scavone e as farmacologistas Tania Marcourakis, da Faculdade de Ciência Farmacêuticas da USP, e Elisa Kawamoto, atualmente pesquisadora nos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, procuram há mais de uma década compostos que funcionem como marcadores biológicos do envelhecimento cerebral e das enfermidades que costumam acometer o cérebro à medida que a idade avança. De acordo com algumas teorias, o corpo envelhece – e morre – porque suas células perdem a capacidade de se recuperar de danos que ocorrem o tempo todo, causados por radicais livres. Segundo esse raciocínio, doenças como o Alzheimer surgiriam em consequência do envelhecimento acelerado das células cerebrais, que se tornaram incapazes de combater os radicais livres produzidos nas reações químicas necessárias para manter a vida, em especial, a respiração celular, que converte o açúcar glicose em energia.
Tania, Elisa e Scavone compararam os níveis de compostos produzidos por células do sangue e do cérebro e identificaram três que refletiriam a capacidade de lidar com os radicais livres. Todos os três são compostos de nome complicado – monofosfato cíclico de guanosina (GMP cíclico), óxido nítrico sintase (NOS) e substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) –, cujos níveis variam à medida que o organismo envelhece.
O GMP cíclico participa de reações químicas que auxiliam na eliminação dos radicais livres. Com o passar dos anos, seus níveis diminuem tanto nas células cerebrais como nas plaquetas, células fundamentais para a coagulação do sangue, constataram os pesquisadores em medições periódicas feitas em ratos desde o nascimento até os
24 meses, que em seres humanos corresponderiam à idade aproximada de 85 anos. O oposto ocorreu com os níveis de NOS, enzima que participa da produção de radicais livres, e de TBARS, composto que resulta de danos à membrana das células. Segundo estudo publicado no início deste ano na revista Age, a quantidade de NOS nas plaquetas e de TBARS nas hemácias, células do sangue que transportam oxigênio, aumentou em proporção semelhante às que subiram nas células cerebrais.
Alzheimer - Algumas das alterações observadas agora em roedores já haviam sido identificadas pelos pesquisadores em pessoas com Alzheimer. No início da década passada, Elisa, Tania e Scavone, em parceria com o neurologista Ricardo Nitrini, também da USP, analisaram os níveis de NOS no cérebro de pessoas com Alzheimer e verificaram que eram mais elevados do que no de pessoas sem a doença. “O quadro de estresse oxidativo [produção excessiva de radicais livres] que encontramos nos pacientes sugere que há um desequilíbrio bioquímico em comparação com o envelhecimento sadio”, diz Elisa.
Em seguida, os pesquisadores repetiram os testes em ratos com idades variando de 4 a 24 meses e constataram que, quanto mais velho o animal, maior a produção de NOS, enzima associada à produção de óxido nítrico, composto essencial à vida que funciona como neurotransmissor no sistema nervoso central e, em excesso, mata as células por gerar radicais livres (ver Pesquisa FAPESP nº 161).
Na opinião do neurocientista Luiz Eugênio Mello, da Universidade Federal de São Paulo, os três compostos parecem funcionar como marcadores do envelhecimento cerebral. Mas é preciso fazer mais experimentos para descobrir se eles de fato permitem identificar o surgimento de doenças neurodegenerativas antes que os sinais clínicos apareçam. “São necessários testes com idosos saudáveis e idosos com doenças neurodegenerativas para confirmar se realmente existe diferença nos níveis desses marcadores”, diz Mello. Mesmo que as variações sejam confirmadas, ainda será preciso descobrir se resultam do envelhecimento e das enfermidades neurodegenerativas ou de fatores ambientais. “Qual a influência do fumo, da poluição e de outros fatores?”, questiona Mello.
Scavone concorda com a análise e diz que um dos próximos passos é investigar a influência de fatores ambientais. “Talvez o exercício físico ou a vida intelectualmente ativa possa ajudar o cérebro a preservar a capacidade de recuperação de quando se é jovem”, conjectura.
Ainda não se sabe se o desequilíbrio bioquímico observado no Alzheimer também ocorre em enfermidades como o Parkinson. “As doenças neurodegenerativas têm mecanismos fisiopatológicos básicos comuns, que são o estresse oxidativo e a excitotoxicidade”, diz Tania, “por isso é possível que encontremos resultados semelhantes”. Em artigo de 2011 no Journal of Alzheimer’s Disease, ela e colaboradores mostraram que é possível identificar o aumento do estresse oxidativo em amostras de sangue de pessoas com comprometimento cognitivo leve, estágio intermediário entre o envelhecimento normal e o Alzheimer.
“Caso esses três compostos sejam validados como marcadores do envelhecimento cerebral, é possível imaginar que levem a um teste com aplicação clínica”, diz Scavone. Um exame de sangue que identifique precocemente os problemas ligados ao envelhecimento cerebral será valioso em um mundo que está envelhecendo. A Organização Mundial da Saúde calcula que 35 milhões de pessoas viviam com algum tipo de demência – em 70% dos casos, Alzheimer – em 2010. Esse número deve saltar para 65,7 milhões em 2030.
Comentários
Postar um comentário
Comentarios e Sugestões