Mais de 100 anos depois de a decadência do cérebro de um paciente ter sido identificada pela primeira vez, o mal de Alzheimer permanece como um dos grandes desafios da medicina, avaliam especialistas na véspera do dia mundial dedicado à doença. A ciência tem feito progressos intermitentes, reportando pequenos avanços e recuos frustrantes.
Embora os cuidados com as pessoas acometidas pela doença tenham melhorado desde que o ex-presidente americano Ronald Reagan e o escritor britânico Terry Pratchett ajudaram a eliminar o estigma, os principais processos da doença permanecem um enigma.
O mal de Alzheimer é responsável por dois terços dos casos de demência e acomete uma a cada 200 pessoas. Descobrir uma cura nunca foi tão urgente, diante do crescimento e do envelhecimento da população. "Será um tsunami em termos da carga (dos custos)", afirmou à AFP Dean Hartley, diretor de iniciativas científicas da Associação Americana de Alzheimer, na véspera do Dia Mundial do Alzheimer.
No mês passado, uma porta se fechou quando as gigantes farmacêuticas Eli Lilly, Pfizer e Johnson & Johnson decidiram suspender os testes para tratamentos, que eram ansiosamente aguardados, mas que fracassaram nos exames clínicos.
Em 6 de setembro, cientistas franceses anunciaram que o extrato vegetal ginko biloba, amplamente alardeado como um remédio natural contra o Alzheimer, na verdade não evita a demência.
Alegando financiamento insuficiente, ao menos em parte, os cientistas dizem que ainda não sabem ao certo o que fazer com as placas e emaranhados que o médico alemão Alois Alzheimer identificou pela primeira vez no cérebro de um paciente com demência, falecido em 1906.
Pouco trabalho subsequente foi feito até os anos 1960, parcialmente porque poucas pessoas viviam na época até uma idade em que a doença se manifestasse.
Hoje, alguns medicamentos do nosso arsenal tratam alguns sintomas, mas são impotentes em evitar a progressão da doença. "As pessoas estão absolutamente desesperadas por remédios, pessoas que sofrem com a doença e pessoas próximas delas", explicou Eric Karran, diretor de pesquisas da Alzheimer's Research UK, principal organização do Reino Unido especializada em prevenir, tratar e buscar a cura para a doença. "Estamos hoje em um momento crítico para esta doença", acrescentou.
"A indústria farmacêutica tem tido uma série de fracassos muito, muito caros. Eu me preocupo que estejam pensando: 'isto é muito difícil e teremos apenas que aguardar até que a ciência esteja mais evoluída'", prosseguiu.
Para Hartley e Karran, o Alzheimer recebeu apenas uma parte do dinheiro que os governos investem em pesquisas sobre doenças, apesar de ser uma das moléstias mais caras em termos de sofrimento e despesas.
Custos e complexidade
A Associação Internacional do Alzheimer (ADI, federação mundial de associações dedicadas à doença) calcula que o número de pessoas com demência crescerá de 35,6 milhões em 2010 para 65,7 milhões em 2030 e 115,4 milhões em 2050.
Os custos, incluindo gastos hospitalares e cuidados domésticos, medicamentos e visitas clínicas, devem subir cerca de 85% até 2030 a partir dos US$ 600 bilhões gastos em 2010, aproximadamente o PIB da Suíça.
Mas o dinheiro não é o único problema. A doença é particularmente difícil de decifrar não só porque seu efeito em humanos é quase impossível de replicar em animais de laboratório. Sua lenta progressão é um obstáculo a mais.
"A doença parece estar presente no cérebro das pessoas talvez 15 anos antes de manifestar sintomas", explicou Karran. O mal de Alzheimer costuma se tornar aparente por volta dos 70 anos, quando os membros da família começam a perceber que seu ente querido vai se tornando esquecido e confuso.
"Quando os pacientes estão disponíveis para estudo em testes clínicos, na verdade estamos olhando para uma doença que está se desenvolvendo há 15 anos", em cujo estágio os neurônios já teriam morrido, afirmou Karran. Os cientistas discordam sobre os respectivos papéis dos depósitos da placa beta-amiloide e de uma proteína chamada tau, que forma emaranhados dentro destas células cerebrais.
A maior parte das terapias em teste foi direcionada às placas beta-amiloides, mas alguns sugerem agora que na verdade é a tau que mata as células do cérebro. "Nós ainda não compreendemos exatamente a relação entre o dano estrutural e os sintomas cognitivos", relatou à AFP o doutorando de neurofisiologia holandês Willem de Haan.
Os cientistas buscam um tratamento que detenha a doença em seu estágio inicial, mesmo antes do aparecimento dos sintomas. Embora não tenham obtido sucesso, seus trabalhos lançam algumas pistas valiosas pelo caminho.
Já se sabe que um pequeno percentual de pessoas, com mais frequência mulheres do que homens, é geneticamente predisposto a desenvolver o mal de Alzheimer. Portanto, possuir um histórico familiar da doença aumenta os riscos.
Alguns estudos sugerem que ter um estilo de vida saudável reduz os riscos para as pessoas que não possuem genes relacionados com o desenvolvimento do Alzheimer.
Os diagnósticos também são proveitosos: novas pesquisas demonstram que um simples teste conhecido como eye-tracking (técnica que permite, examinando o movimento ocular, verificar para onde o indivíduo está olhando) e a interrupção do sono podem ser indícios precoces, e ajudariam os afetados a fazer escolhas de estilo de vida antes que a doença avance.
Os especialistas acreditam que se governos, pesquisadores e empresas farmacêuticas trabalharem juntos de forma eficiente, um tratamento poderia estar disponível dentro de 20 anos. Mas também alertaram para o risco de dar falsas esperanças a pessoas desesperadas.
"Encontrar um remédio para uma doença crônica é muito, muito mais complicado do que, digamos, colocar o homem na Lua", explicou Karran.
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