Envelhecer ou amadurecer?



Em alguns, apenas preocupação com a chegada das primaveras outonais, em outros, até mesmo um escancarado pavor em face da velhice. Vêm logo as imagens das doenças, das dores, das desilusões, do cansaço...

São imagens um tanto ou quanto sinistras, que povoam as cabeças e se aninham nas almas de muitos, gerando danos quase que irreparáveis.

Para estes, a fala de um amigo meu, que fica zoando os que dramatizam tanto esta fase da vida. Diz ele: Para não envelhecer, só há um remédio: morrer cedo!

E desata, a seguir, gostosa gargalhada...

Mas, pensando bem, a verdade é que aqueles que chegam aos sessenta ou setenta anos neste século vinte e um não são apenas sexagenários ou septuagenários, doentes ou decrépitos. São homens e mulheres abençoados por uma revolução do conhecimento, da compreensão e da vida que os tornou beneficiários de vantagens extraordinárias.

Comece-se pela aposentadoria, sinal vermelho, indicador da aproximação rápida ou chegada mesmo da calamitosa velhice. O que se vê, hoje em dia, é que aposentando-se por tempo de serviço ou por idade, homens e mulheres estão com boa saúde, mentalmente saudáveis e capacitados para inúmeras tarefas, tanto que, aposentados, não ficam inativos mas exercem diversas tarefas e funções na sociedade, sejam de sua profissão liberal, sejam de seu hobby predileto.

Querendo, valem-se da modernidade, com a mesma leveza e quase igual habilidade que os jovens, tornando-se frequentadores habituais dos sites de relacionamento, estabelecendo novas conquistas, novas amizades, novos contatos saudáveis.

Querendo, atuam com a mesma ou maior proficiência do que faziam antes, até que a lei os declarasse inativos, impondo-lhes a aposentadoria compulsória, que, com nosso espírito bem brasileiro, denominamos de expulsória, porque a lei a impunha de forma inarredável.

Vem-me à mente a figura de meu inesquecível mestre e amigo Prof. Dr. Jerônimo Geraldo de Queiroz. Cultura invejável, vigor físico estampado aos olhos de todos, de vez em quando eu o encontrava, ceado, com roupa de caminhada, fazendo seu exercício matinal e como era difícil acompanhar o passo daquele homem de mais de oitenta anos. A velocidade de seu raciocínio se transferia para os movi mento dos membros inferiores e aí, haja forma física para acompanhar aquele homem na rua.

Cunhou uma frase antológica: Aqui está um idoso que se recusa a ser velho!

E tinha toda razão de recusar o apodo de velho. Aos oitenta e seis anos de idade era professor do programa de Mestrado em Direito Agrário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Sociologia Rural e Urbana, com aulas de três horas de duração. E como eram esperadas ansiosamente por seus privilegiados discípulos. Membro da Academia Goiana de Letras, sua presença era uma constância, uma certeza e sempre uma aprazível e proveitosa companhia.

Aos sessenta, aos setenta, neste século, homens e mulheres desfrutam de privilegiada situação. As mulheres, passado o vendaval excessivo do feminismo da década de sessenta, passaram a ter, nesta idade, vida realizada, experiência consagrada, direitos respeitados, corpos preservados com a ajuda dos recursos da ciência médica, muitas delas competindo, nas festas, por sua elegância, beleza e postura, com suas filhas a quem acompanham, roubando-lhes, muita vez, a cena.

Homens, nesta mesma faixa, com as benesses da evolução científica, estão aí espigados, esguios, saudáveis em todos os sentidos, mental e fisicamente, com a vantagem, até no plano dos sentimentos, de serem capazes de produzir sorrisos e olhares discretos mas sedutores e traduzir os mesmos, quando originados de duma bela mulher, coisa que muitos jovens jamais entenderiam, dada a sutileza dos meios, a leveza da forma, códigos cujo decifrar que somente a experiência de vida pode permitir.

É com este o olhar que deve ser visto o chegar dos sessenta, dos setenta ou mais anos de vida, neste maravilhoso século vinte e um, porque é nesta fase da vida que podemos degustar os dias, um a um, como quem saboreia, com arte e técnica, o vinho delicioso que lhe é servido, sem engoli-lo, alvoroçadamente, como quem, a morrer de sede, derrama na boca, no rosto e no corpo inteiro, a água que lhe é dada para beber e não para se banhar.

Daí a urgência ( não é senhores legisladores ?) de se mudar a inapropriada imagem que se coloca em placas de trânsito, para representar o idoso ( toda pessoa com mais de sessenta anos ): a figura de uma pessoa encurvada, olhando para o chão e apoiado numa bengala.

Hoje o que se faz é amadurecer, para desfrutar melhor a vida e não envelhecer, para perdê-la.

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