PORTUGAL:'Expresso 40 Anos': Envelhecimento da população já não pode ser invertido


O envelhecimento da sociedade portuguesa é uma inevitabilidade e uma eventual recuperação da taxa de fecundidade só será possível com alteração das actuais políticas económicas e de emprego. Estas são duas das conclusões da conferência ‘Expresso 40 Anos’, realizada ontem, no Theatro Circo, subordinada ao tema: ‘Demografia - cada vez menos e mais velhos. Como inverter a tendência?’.
A demógrafa Maria Filomena Mendes, uma das convidadas para o debate promovido pelo semanário Expresso, não teve dúvidas em responder à questão colocada em cima da mesa, assegurando que “não é possível inverter a tendência, é possível atenuar através da imigração e de algum crescimento da fecundidade”.
A especialista da Universidade de Évora adiantou que “vamos envelhecer inexoravelmente nos próximos anos”, ressalvando que, quando muito, “poderemos abrandar o ritmo do envelhecimento”.
A mesma opinião expressou Alice Delerue Matos, socióloga e demógrafa da Universidade do Minho, para quem o envelhecimento populacional “até é desejável”, porque “uma sociedade envelhecida tem desafios muitos interessantes”, desde que se organize de maneira diferente.
Para aumentar a taxa de natalidade, Alice Matos aposta na promoção de condições favoráveis aos projectos de parentalidade que exigem “partilhas de responsabilidade” entre homens e mulheres.
“Essa pode ser uma via para travarmos a quebra da taxa de fecundidade em Portugal que tem sido tão rápida nos últimos anos”, considerou aquela professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.
Maria Filomena Mendes, que analisou alguns dos dados do último recenseamento geral da população portuguesa, destacou que Braga é um dos poucos municípios portugueses com “vitalidade demográfica”, mas está inserido numa zona “onde a taxa de fecundidade mais baixou nos últimos anos”.
Jorge Malheiros, professor da Universidade de Lisboa, associou, no debate realizado ontem à tarde, a diminuição da taxa de fecundidade à actual crise económica.

“Portugal não tem políticas de incentivo à natalidade como a França”, constatou este geógrafo, segundo o qual “a sociedade que estamos a construir é tudo menos amiga da fecundidade”.
Se “tudo o que é instabilidade adia o projecto de ter filhos”, Malheiros está convicto que, “nas actuais circunstâncias, muito pouco se pode fazer” para equilibrar a pirâmide demográfica que não passe pela mudança das políticas económicas e por um novo “discurso de esperança”.
Da análise dos dados do recenseamento realizado em 2011, Maria Filomena Mendes concluiu que Portugal tem uma população “duplamente envelhecida”, por via do aumento da esperança média de vida e pela queda da fecundidade.
O fenómeno é acentuado, nos últimos cinco anos, com a redução da entrada de imigrantes e com o crescimento do fenómeno da emigração para “níveis próximos dos anos 60”, acrescentou Jorge Malheiros.
Desejo de ter filhos é uma questão de fé?
O professor de Direito da Universidade do Minho, António Cândido de Oliveira, agitou ontem a conferência do semanário Expresso com a convicção que a resposta ao problema do envelhecimento populacional “pode ser religiosa”. “Há cada vez menos pessoas com fé religiosa e com fé na humanidade”, afirmou Cândido de Oliveira, ciente de que isso se reflecte na diminuição do desejo de ter filhos, de criar uma descendência.
Segundo este professor universitário, há necessidade de “construir uma sociedade fraterna com trabalho e rendimentos, uma sociedade de partilha em que a solidariedade coexista com uma bem entendida competitividade” para que cresça o sentimento de que vale a pena viver.
Cândido de Oliveira alertou, por outro lado, para a crescente institucionalização de idosos em lares de terceira idade, um fenómeno que “nos deve colocar grandes interrogações”.
Alice Matos respondeu a esta questão com a proposta de “outras formas de organização da sociedade que não releguem para lugar secundário as pessoas mais velhas que são cada vez mais”. A demógrafa da Universidade do  Minho lembrou que “o ciclo de vida a três tempos” (estudo-trabalho-reforma) está ultrapassado.
Para Jorge Malheiros, o grande desafio que se coloca com o aumento da esperança média de vida é lidar com “uma parte terminal da vida com mais dependência”.
Apesar de tudo, “pela primeira vez na história da humanidade, há coexistência de quatro gerações em muitas famílias”, referiu o geógrafo.

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