FILME: Amour: Envelhecer e morrer no mundo moderno





“Amour” é um dos maiores consensos críticos do ano. Venceu a Palma de Ouro e segue ganhando prémios e colecionando presenças nas listas de melhores do ano da imprensa especializada – tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Mas, afinal, o que tem de especial o mais novo filme do por vezes denso e difícil Michael Haneke?

O filme é, essencialmente, sobre o envelhecimento. E este não é tratado com eufemismos: a relação de cumplicidade vivida pelos protagonistas, o casal de músicos Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emanuelle Riva), é rapidamente confrontada com a realidade da decrepitude física, da doença, da incapacidade e de uma situação tanto insolúvel quanto sem retorno.

«Mais fácil de fazer do que ver»
Essa é uma das piadas preferidas do realizador sobre a sua cinematografia, composta por vezes por obras duríssimas de apreciar: “os meus filmes são mais fáceis de fazer do que assistir”. Garante ele que se diverte, assim como a equipa, a fazê-los, mas para o espectador fica o lado perturbador, incómodo. “Eu não me envolvo muito, senão os meus filmes tornariam-se telenovelas insuportáveis”, disse ele ao The Guardian. Mas muito fácil também não será, a julgar por um comentário de Trintignant na conferência de imprensa no Festival de Cannes, dizendo que Haneke é tão rigoroso que até dirigiu o pombo que aparece no final do filme!

Já o ponto de partida para “Amour” foi uma situação familiar, que levou o cineasta a perguntar-se: "Como é lidar com o sofrimento de alguém que amamos? Foi assim que comecei a escrever o filme".

Retornando da Reforma
Desde o início, o realizador/argumentista tinha o nome de Trintignant, por quem nutria imensa admiração, para o papel, de tal forma que a sua presença era quase determinante para o projeto tomar forma. Ocorre que o ator já se tinha retirado do cinema há 14 anos quando, após entrar em "Quem Me Amar Irá de Comboio”, de Patrice Chéreau, anunciou que iria dedicar-se ao teatro. Apesar disto, aceitou ler o argumento e ficou impressionado com a força e a intensidade do mesmo.


Já Riva concorreu com várias outras colegas que tinham idade para desempenhar a personagem. Acabou por ser escolhida porque, segundo o realizador declarou numa conferência de imprensa, "para além de ser um grande atriz, fazia um par perfeito com Trintignant”. E no The Guardian completou: “São dois grandes atores que vão para além da atuação, pois sabem que eles próprios podem estar enfrentando os mesmos problemas num futuro próximo”.


Para além do mais, chama a atenção para dois dos mais emblemáticos filmes dos atores darem destaque à sua aparência, caso de Riva com “Hiroshima Mon Amour” e Trintignant para “…E Deus Criou a Mulher”. Agora é “alarmante” vê-los na fragilidade da velhice…

Os Atores
O filme trabalha com dois nomes históricos do cinema francês e mundial. Jean Louis-Trintignant atingiu o sucesso com “…E Deus Criou a Mulher”, clássico de Roger Vadim que também tornou Brigitte Bardot num ícone. Ele venceu o prémio de melhor ator em Berlim por «L'homme qui ment» (1968), e em Cannes por "Z - Orgia do Poder".

Emmanuelle Riva estreou-se já num clássico, “Hiroshima Mon Amour”, de Alain Resnais, em 1959 e, três anos depois, venceu o prémio máximo no Festival de Veneza, com “Thérèse Desqueyroux”. Este ano passou pelos ecrãs nacionais com “O Verão do Skylab”, de Julie Delpy.


No papel de filha do casal, Isabelle Hupert faz sua terceira colaboração com Haneke, depois de “A Pianista” (2000, pelo qual ganhou a Palma de Ouro) e “O Tempo do Lobo” (2002). Sempre em grande produtividade, passou pelo Estoril & Lisbon Film Festival com o novo filme de Marco Bellocchio, “Bella addormentata” e na Festa do Cinema Francês com “A Cativa”. Ela protagoniza a comédia “O Meu Pior Pesadelo”, que estreia em Portugal a 27 de dezembro, e o sul-coreano “In Another Country”, com lançamento previsto para fevereiro.
Críticos e Prémios
Reunindo um impressionante consenso crítico, aparece quase diariamente nas listas de melhores do ano imprensa especializada. Entre os inúmeros prémios que recebeu, destaque para a Palma de Ouro. Nos European Film Awards venceu as quatro principais categorias (Filme, Realizador, Ator, Atriz). A obra já consta entre os nomeados para Melhor Filme em Língua Estrangeira nos Globos de Ouro e é o indicado pela Áustria para concorrer ao Oscar na mesma categoria.

Além de Haneke, que já tinha vencido em Cannes com “O Laço Branco”, apenas os irmãos Dardenne, Francis Ford Coppola e Emir Kusturica tinham ganho duas vezes o prémio.

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