Envelhecer é preciso!


A experiência dos anos vividos somada ao conhecimento adquirido ao longo do tempo, que das rugas no rosto, faz uma lição de vida. Dia após dia vamos envelhecendo, é o ciclo biológico da vida que se divide em etapas: nascer, crescer e envelhecer. A estimativa de 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) é que mais de 187 mil habitantes permanentes residam em Passo Fundo, deste índice, cerca de 27 mil tem idade de 60 anos ou mais. O público feminino é predominante, aproximadamente 65%, contra 35% masculino.

No Rio Grande do Sul o número chega a 1.459.597 idosos de 60 anos ou mais. No Brasil, o índice de idosos em 1960, era de 3,3 milhões, já 2010 passou para 20,5 milhões de pessoas e em 2012 chega a 12% da população com 23,5 milhões de idosos no país. O número de pessoas com mais de 60 anos deve ultrapassar a marca de um bilhão no mundo em dez anos, de acordo com estudo divulgado pelo Fundo de População das Nações Unidas.

Cidade jovem - Para o coordenador do IBGE em Passo Fundo, Jorge Bilhar, comparados os índices com a década de 80, é perceptível a diferença, já que a população era menos idosa. “É um fenômeno que vem monitorando, a terceira idade”, afirma ele, explicando que a população está adotando um novo perfil. “A sociedade está ficando mais urbana, morando nos grandes centros e mais feminina em função da inserção das mulheres no trabalho e estudo, além disso, mais idosa. Esse é o perfil que vem sendo definido e chamando a atenção no sentido de desenvolver políticas públicas com os idosos”, acredita ele, afirmando que Passo Fundo é uma cidade relativamente jovem, sendo que cerca de 80% da população tem idade entre 0 e 59 anos.

Cuidado especial - Formada em enfermagem, Deise Ohana Daneli trabalha em um abrigo de idosos desde o dia 06 de janeiro de 2012. “Escolhi ser enfermeira por que acho que é a forma mais bonita de se doar e viver para o próximo, de poder ajudar a humanidade mesmo em seus momentos de dor e angústia, já que é o enfermeiro que fica ao lado do paciente 24 horas por dia, 7 dias por semana, 12 meses por ano, sempre pronto pra ajudar, com uma visão mais holística, tratando sempre o paciente como um ser inigualável e único”, comenta ela.


(Qualidade de vida é fundamental para o bem estar dos idosos / FOTO ALESSANDRA PASINATO DM)




A jovem enfermeira conta que sempre gostou de trabalhar com a população idosa e demonstra no cuidado o carinho que tem por cada uma das pessoas que moram no abrigo. “Não tem coisa mais gratificante do que auxiliar na reabilitação e qualidade de vida dos idosos, poder ver um idoso sorrindo, caminhando novamente, se alimentando com sua própria mão. Já àqueles acamados, buscamos proporcionar uma melhor qualidade de vida”, afirma ela, declarando que para cuidar de idosos tem que ter dedicação, paciência e muito amor pra dar, já que na maioria das vezes é o que eles mais precisam.

Ela comenta que sempre ressalta a toda equipe de enfermagem a importância do cuidado humanizado, do simples carinho, do simples abraço, que para eles faz muita diferença. “Amo cuidar de idosos, dar carinho atenção, amor, me dedicar à eles, levantar todo dia e ir trabalhar sabendo que eles vão estar me esperando, com um sorriso lindo no rosto, outros em seus leitos aguardando minha chegada para um simples abraço e uma conversa”, declara Deise.

Momentos tristes e felizes - A vivência diária da enfermeira com os pacientes idosos acaba criando um laço forte e muitas vezes a partida se torna difícil. “A gente se apega muito à eles, como se fossem da família. A gente deita no colo, ouve histórias, muitas vezes repetidas, muitas vezes fantasias da mente deles, mas é muito bom. Outras vezes é a gente que dá colo, que acaricia, que conta histórias, e é isso que nos motiva e gratifica”, comenta.


Para ela, o que a deixa mais feliz é ver a reabilitação de alguns idosos. “Tivemos um vozinho que chegou sem caminhar, nem se alimentar sozinho. Mas hoje ele caminha sem auxílio, se alimenta sozinho, a qualidade de vida dele aumentou muito com sua independência parcial e é visível a sua felicidade, isso nos comove e nos deixa muito felizes”, finaliza a enfermeira.



(José e João aproveitam a sombra para conversar e tomar chimarrão / FOTO ALESSANDRA PASINATO DM)




Tratamento e qualidade de vida - Paciente há um ano na clínica em que a enfermeira Deise trabalha, Joaquim da Silva tem 72 anos e chegou ao local para se tratar de um problema nos pulmões. Ele conta que morava sozinho na cidade de Piratuba, em Santa Catarina, mas que é natural de Lages. Sem família e doente, ele encontrou no abrigo um lugar para poder se reabilitar. Hoje ele aguarda a saída, e afirma que já tem uma família de conhecidos que irá “adotar” o idoso.

No local também reside a Dona Elci Lima Dozza, que aos 81 anos ainda se mostra muito disposta. Ela está na casa porque sofre com hiperatividade, o que é visível na doce senhora que mostra muita agilidade e disponibilidade. O que ela mais gosta de fazer é arrumar as coisas e conta que a família sempre vai vê-la. “Eu rezo todas as noites para nada acontecer de ruim”, diz ela.

Seu Joaquim e Dona Elci dividem espaço com outros tantos idosos, entre eles Dona Sudária Alves de 92 anos, que não tem filhos e reside no abrigo há 10 anos. Também com seu Montauri Camilo, de 94 anos, que desde 2006 está no local para tratamento de Alzheimer e seu Livino Cardoso, que tem 65 anos e há 1,5 anos mora no abrigo.

O que seu José Conterato, 70, e João Ferreira dos Santos, 73, mais gostam de fazer é conversar e tomar chimarrão e encontram debaixo da sombra de uma árvore no pátio da casa de idosos o local ideal para passarem as suas tardes.

Envelhecimento humano - “O que se busca é a relação entre envelhecer, mas com qualidade de vida, ou seja, buscar a longevidade que tenha como referencial a qualidade de vida”, afirma o professor do mestrado em Envelhecimento Humano, Adriano Pasqualoti, que explica que para isso “é preciso entender os processos culturais do envelhecimento, os biopsicoquímicos, as questões psicológicas e sociais, os processos fisiológicos do envelhecimento das células e da representação social desse envelhecimento, além das vivências que ocorrem diante do processo, seja na família original, no trabalho ou na sociedade”.

Para o professor, envelhecer é um processo natural que pode ser visto por prismas diferentes. Na Biologia, se caracteriza pela perda da possibilidade das células se dividirem perdendo a qualidade. Na psicologia, pela representação, percepção subjetiva que pode ser analisado a partir da percepção de vida. E também pelo olhar social. “Na aposentadoria, se deixa de ser ativo, perde papel na sociedade, deixa de ser referência e dar opinião, isso na visão ocidental”, comenta, explicando que na visão oriental, é totalmente o contrário. “No Oriente, eles tinham referência no sujeito idoso, no ancião, um exemplo da cultura, da manutenção, pela experiência que tinham”, esclarece, reafirmando que no Ocidente a figura idosa é suplantada, sendo o jovem mais importante, com isso, na ótica das relações sociais, envelhecer é perder autonomia e papel na sociedade.

Atenção especial - O referencial para definição da idade a partir da qual pode ser considerado idoso é temporal e se dá pelo caráter de desenvolvimento social, político e econômico do país. Pasqualoti explica que nos países subdesenvolvidos é considerado quem alcança 60 anos ou mais, já nos países desenvolvidos é quem tem 65 anos ou mais. A diferença se dá basicamente pelas condições de acesso às políticas públicas e por terem um sistema de saúde mais adequado.


(Qualidade de vida é fundamental para o bem estar dos idosos / FOTO ALESSANDRA PASINATO DM)




Para o professor, assim como foi necessário implantar nas escolas há algum tempo a educação sexual, em algum momento será necessário trabalhar a educação gerontológica. “Não se trabalha o idoso a partir do idoso. Envelhecer ocorre mesmo antes de nascer, por que leva em conta características do pré-natal”, salienta ele, concluindo: “Deveríamos levar isso em conta em todas as escolhas, dos riscos que nos acometem, como fumo, bebida, sedentarismo, o não ativo na leitura, escrita”, aponta, esclarecendo que tudo isso leva ao processo de envelhecer.

Políticas públicas - A promoção da qualidade de vida ao público idoso pode se dar a partir da criação de políticas públicas. Na opinião de Pasqualoti, os grupos de convivência são importantes instrumentos que possibilitam que os idosos que se mantenham ativos. “A sociedade teria que criar espaços de socialização, que permitam que continuem ativos, que tenha aumento no papel perdido”, frisa ele, comentando que as pessoas precisam ser ativas para não aumentar a demanda social na Previdência ou mesmo na saúde pública. “O idoso que se mantém ativo, ele permite diminuir a necessidade do respaldo da sociedade”, conclui.

BALCÃO DO IDOSO - Prevenção, atenção e promoção. Desde 2009, o Balcão do Idoso foi criado com o objetivo de prestar serviços e oferecer estrutura no sentido de dar atendimento ao público idoso, pautado em três questões principais: prevenção, atenção e promoção.

Educadora física, Denize Cornélio da Luz é a coordenadora do Balcão do Idoso e explica que a entidade busca atender pessoas em situação de risco, com foco em idosos em situação de vulnerabilidade. “Procuramos atender na acolhida, nas políticas que são de atenção básica e disponíveis pela rede, fazendo o encaminhamento quando não tem complexidade, buscando oferecer saúde, transporte, educação e orientação sobre a violação de direitos”, aponta ela.

Como trabalha com um público específico, os casos que chegam ao Balcão do Idoso não tem resolução imediata. Segundo Denize, no ano de 2011 foram 182 pessoas atendidas diretamente e indiretamente, ou seja, as pessoas que são beneficiadas pelas ações, foram mais de mil. “Esse ano até o final do primeiro semestre, em julho, tínhamos atendido mais de 100 casos, fora os indiretos”, comenta a coordenadora.

Trabalho em parceria - O Balcão do Idoso surgiu de uma parceria entre prefeitura municipal, UPF e Ministério Público Estadual, no entanto, o trabalho não é totalmente conhecido. “As pessoas sabem da existência do serviço, mas não tem uma procura significativa”, afirma Denize, comentando que o projeto é uma parceira que só existe em Passo Fundo. “Dentro da rede trabalham várias entidades. Fazemos a abordagem dos casos em rede para agilizar, para que se consiga a resolução o quanto antes”, destaca.

O Balcão atende todos os tipos de violência contra os idosos, considerado que as principais são de violações de direito, abuso financeiro e abandono por negligências. Para a coordenadora do Balcão do Idoso é preciso promover a conscientização desse público, para que busquem e conheçam seus direitos. Ela pontua que é importante uma educação financeira. “Uma das principais formas de violência consentida é a financeira, porque o idoso acaba sendo vítima da lógica de consumo e preocupa bastante. É preciso uma educação permanente”, esclarece Denize.


(FOTO ALESSANDRA PASINATO)




Projeto - Coordenadora desde o começo do projeto do Balcão do Idoso, ela conta que acompanhou ainda quando era apenas uma ideia. “Passo Fundo tem a preocupação com o envelhecimento humano, tem grupos de convivência independentes, se preocupa em fazer o atendimento ao idoso que não tem acesso às políticas básicas”, afirma. Ela conta que no final de 2008, foram desafiados pelo Ministério Público a elaborar o um projeto buscando o resgate dos direitos dos idosos.

Uma rede instituída em 2011 promove a fiscalização das casas de acolhimento, para que possam ter na rede municipal o apoio para funcionar. “Trabalhamos para que o atendimento seja de qualidade como o idoso merece. A grande maioria está imbuída em garantir o que está na lei, como boa alimentação, mínimo de espaço físico adequado, camas e colchões. Muitas melhorias foram feitas e tem problemas que já não encontramos mais”, avalia, lembrando que a violência, que era comum, hoje não se observa mais.

Dedicação - Sobre o trabalho, Denize conta que há 16 anos atua com idosos com muito amor e dedicação. “Tem um significado muito grande. Muita gente diz que trabalhar com criança e idoso é a mesma coisa, mas não é. Tem que gostar e muito, lidar com a perda constantemente, tem que estar muito preparado”, afirma ela, acrescentando: “É preciso ter olhar gerontológico muito sensível e construir esse olhar. Se constitui de um profissional do cuidado que trabalha com essa população, é isso, uma busca dignificante e que fazemos com dedicação para garantir que tenham a qualidade de vida que todos desejam”, finaliza ela.

CONSELHO DO IDOSO
Projetos em benefícios dos idosos - Desde ano passado, o Conselho Municipal do Idoso passou a ser deliberativo e consultivo. “Ele é importante porque temos uma necessidade grande de colocar em práticas políticas já existentes e propor políticas que realmente estejam de acordo com o idoso”, explica Denize que também é presidente do Conselho.


(Cuidado é essencial por parte da equipe técnica / FOTO ALESSANDRA PASINATO DM)




A entidade tem o desafio de tentar no próximo ano, com demais parceiros, propor ações no sentido de garantir que os direitos sejam cumpridos. Ela confirma que o fundo municipal do idoso já foi aprovado e vai trabalhar com a captação de recursos, lançar editais e reverter em beneficio dos idosos para financiar projetos dos grupos de convivência.

O conselho é composto de 12 entidades governamentais e privadas. “Com diferentes olhares se constrói ações em prol de quem está envelhecendo. Buscamos dar conta das demandas que chegam e das denúncias que estão em andamento, fazendo um recadastramento junto aos grupos de convivência, das instituições de longa permanência para mapear como está a situação”, conclui ela. Na cidade existem são 17 instituições de longa permanência registradas. Dessas, duas são filantrópicas, Lucas Araújo e Nossa Senhora da Luz e cerca de 50 grupos de convivência dentro do Conselho do Idoso.

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