Salário mínimo garante aos idosos e às pessoas com deficiência acesso a direitos básicos





O Benefício de Proteção Continuada (BPC) é um benefício assistencial previsto na Constituição Federal, no Estatuto do Idoso e na Lei Orgânica da Assistência Social. O objetivo do BPC é auxiliar os idosos e as pessoas com deficiência que se encontram em condição de vulnerabilidade social e econômica a fim de que tenham acesso aos direitos sociais básicos. É um benefício individual, não vitalício e intransferível que assegura o valor de um salário mínimo mensal – atualmente, fixado em R$ 678,00 – às pessoas a partir de 65 anos ou mais e às pessoas com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

A gestão do BPC é realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). A operacionalização compete ao MDS e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O BPC corresponde à dimensão não contributiva da proteção social, ou seja, compreende a um aspecto da proteção desvinculado do sistema de contribuição previdenciário. Trata-se da dimensão pública da proteção social.

Com o objetivo de analisar os efeitos dessa política pública na capital paraense, a pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Lívia Araújo de Oliveira desenvolveu a Dissertação Proteção social não contributiva: um estudo sobre o BPC destinado aos idosos em Belém (PA). O trabalho foi defendido no âmbito da Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFPA e teve a orientação do professor Carlos Alberto B. Maciel.

Em Belém, o BPC funciona a partir da articulação entre os Centros de Referência da Assistência Social (Cras), o Polo BPC/Belém e as Agências da Previdência Social. “Os Centros de Referência são unidades responsáveis pelos atendimentos às famílias usuárias da Política de Assistência Social. Eles fazem a captação dos usuários no momento do atendimento inicial e, se for demanda de BPC, encaminham ao Polo BPC/Belém, o qual faz o intermédio com a Agência da Previdência Social mais próxima da residência dessas famílias”, explica Lívia Araújo.

Para solicitar o BPC, o idoso deve procurar o Cras do bairro onde mora ou ir diretamente ao Polo BPC/Belém. Ele tem de comprovar que não tem como garantir o próprio sustento, nem de tê-lo provido pela família. Além disso, a renda familiar per capita mensal deve ser inferior a um quarto do salário mínimo mensal vigente. Não é necessário que ele tenha contribuído e/ou não contribua com a Previdência Social.

Recurso garante segurança e independência no dia a dia

A pesquisa de Lívia Araújo de Oliveira buscou conhecer a percepção dos idosos beneficiados com o BPC mostrando a opinião deles a partir de dados quantitativos e qualitativos. A ideia foi compreender o olhar deles em relação ao recebimento do provento, bem como o significado do benefício na inclusão social e na autoestima do idoso. “Obtive respostas surpreendentes, passando por diversos olhares, desde a percepção do BPC como ‘ajuda do governo’, até em relação ao BPC como ‘um direito para os idosos que não podem trabalhar’, contemplando, claro, a insuficiência do valor do benefício e a baixa articulação, sobretudo, com a política de saúde”, explica a autora da dissertação.

Os resultados da pesquisa mostram que 60% dos idosos acreditam que o BPC “é uma ajuda do governo” como direito adquirido com a melhor idade. Outros 40% apontam o BPC como uma aposentadoria do governo, deixando claro que compreendem o benefício como um direito, embora reclamem das dificuldades para adquiri-lo. Além disso, do total de entrevistados, 55% apontam que o BPC garante certa segurança e independência no dia a dia. “Isso nos mostra que o benefício não atende apenas necessidades materiais. Ele também implica autonomia”, afirma Lívia Araújo de Oliveira. A maioria dos entrevistados – 85% – afirma que, com o BPC, as condições de vida melhoraram. “Esses números nos dão um panorama sobre a efetividade e o alcance do BPC destinados aos idosos”, comenta a pesquisadora.

De acordo com a pesquisa, o BPC tem se mostrado eficiente, ou seja, tem proporcionado bem-estar aos idosos. A maior parte dos entrevistados – 55 % – está satisfeita com o benefício. “Não restam dúvidas de que um benefício garantido mensalmente, regular e certo, com o qual se pode contar, evidentemente modifica a postura do usuário diante das vicissitudes da vida, dando-lhe mais segurança financeira e o mínimo de planejamento em relação às necessidades mais urgentes”, afirma a pesquisadora.

Ademais, Lívia Araújo de Oliveira destaca que o BPC é uma das mais importantes iniciativas ocorridas no campo dos direitos sociais dos idosos. Segundo a pesquisa, o BPC alcança milhares de famílias e alivia, por exemplo, a situação de insegurança alimentar dos idosos, mesmo que de forma mínima. “Ele proporciona ao usuário - a partir da segurança em relação ao atendimento de suas necessidades mais urgentes - uma mudança de postura social e política, que podemos chamar de independência, emancipação ou segurança econômica. O BPC modifica a posição do idoso na família e na sociedade. Assim, ele se torna protagonista de sua história”, conclui.

Longevidade cria déficit no Sistema Previdenciário Público

Os benefícios assistenciais, como o BPC, diferem dos benefícios previdenciários. Ambos são, no entanto, políticas de assistência social que atendem ao idoso. Nesse sentido, a pesquisadora da UFPA Elody Boulhosa Nassar desenvolveu a Tese Envelhecimento populacional e Previdência Social: a questão social da longevidade e o financiamento dos sistemas previdenciários, sob a ótica do princípio da solidariedade. O estudo mostra as tendências do envelhecimento populacional no Brasil tendo como base o sistema de proteção ao envelhecimento garantido pela Previdência Social Pública.

“A longevidade que se busca tão veementemente é fator de inquietação nas sociedades contemporâneas, sobretudo no enfrentamento das questões sociais relacionadas à velhice e à proteção social no campo da Seguridade Social”, afirma Elody Boulhosa Nassar. O trabalho foi apresentado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da UFPA e teve como orientador o professor José Claudio Monteiro de Brito Filho.

Algumas questões norteiam o estudo. Como a sociedade contemporânea vê o envelhecimento? Por que ele constitui uma questão social? Por que o envelhecimento causa preocupação do ponto de vista econômico? Por que o envelhecimento gera a necessidade de redução de direitos sociais conquistados? E, por fim, que valores, do ponto de vista dos direitos humanos, devem ser preservados na elaboração das políticas relacionadas ao envelhecimento?

O crescimento da população idosa no Brasil é patente. Mais que isso, é uma conquista. Diante dessa realidade, novas políticas de proteção e inclusão social fazem-se necessárias. Assim, cumpre ao Estado garantir aos idosos os direitos sociais básicos previstos na Constituição. Entre eles, a previdência digna. Todavia, de acordo com o ponto de vista econômico, a longevidade também é um problema. Segundo esse pensamento, o aumento do número de pessoas que alcançam a longevidade cria déficits no sistema previdenciário.

Por conta disso, há a necessidade de fazer ajustes na Previdência. São as chamadas “reformas previdenciárias”. “Dentro da perspectiva de um Estado neoliberal, não intervencionista, essa perspectiva de crise, do déficit na previdência, fez com que se desenvolvessem as ideias das reformas previdenciárias. E essas reformas tomaram corpo por força de orientações de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial”, conta a pesquisadora.

Contribuições são destinadas a outros fins; daí, o rombo

Segundo a pesquisadora, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu os direitos previdenciários, garantindo benefícios aos contribuintes. No entanto, posteriormente, esses direitos sociais passaram a sofrer mudanças, sendo reduzidos de forma gradativa. “A primeira reforma previdenciária ocorreu em 1988, com a Emenda Constitucional nº 20. A segunda reforma, com a Emenda Constitucional nº 41 e a terceira reforma, com a Emenda Constitucional nº 47. Essas reformas mudaram a orientação de vários benefícios previdenciários. Independente de elas terem sido necessárias ou não, no meu trabalho, faço ver que elas estão diminuindo, ou mesmo suprimindo, alguns direitos sociais”, explica.
A pesquisadora explica que, por força de emendas constitucionais, determinadas contribuições (receitas do orçamento da Previdência) foram deslocadas para outras finalidades. “Se essas contribuições previstas para sustentar a Seguridade são deslocadas para outras finalidades, que não para a Seguridade Social, evidentemente, haverá, aqui, o déficit previdenciário. Se todas as contribuições destinadas à Previdência, previstas na Constituição, fossem verdadeiramente aplicadas na Previdência, ela não seria deficitária”, explica.

Envelhecimento deve ser encarado como questão social

Para Elody Nassar, olhar a questão social do envelhecimento (longevidade) apenas do ponto de vista econômico não é o bastante. É preciso, acima de tudo, ver a questão partindo do princípio da Solidariedade, postulado fundamental no Direito Constitucional brasileiro. “A Solidariedade está prevista na Constituição. É uma regra que norteia a Previdência Social Pública. A Previdência, por sua vez, funciona como um ciclo de contribuições. As gerações de beneficiários contribuem umas com as outras. Ou seja, há uma solidariedade entre gerações”, explica.

Porém, segundo a pesquisadora, as reformas afetam diretamente o princípio da Solidariedade. “É um princípio que não deve ser esquecido, nem ser deixado de lado na propositura de qualquer alteração nas leis previdenciárias. É necessário resguardar o princípio da Solidariedade previdenciária para efeitos da questão social do envelhecimento. Do contrário, a velhice torna-se uma questão meramente econômica”, afirma.

Desse modo, Elody Nassar elegeu o princípio da Solidariedade a fim de mostrar que a lógica da Previdência não é a lógica do mercado. “As reformas previdenciárias visam diluir a crise, o déficit gerado na Previdência em razão da questão social da longevidade. Desse modo, a formulação de políticas para a Previdência Social deve levar em conta a questão da equidade e não apenas o regime de capitalização. A Solidariedade é uma exigência ética. Mais que isso, uma ética de urgência”, conclui a pesquisadora.



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