Transporte público: uma pedra no caminho dos idosos


RIO - O básico direito de ir e vir não é facilmente exercido pelos idosos quando o assunto é transporte público no Rio. Obstáculos como degraus muito altos na entrada dos ônibus, motoristas que arrancam bruscamente e vagões do metrô lotados precisam ser superados diariamente na corrida até o assento - preferencial ou não - mais próximo. Os problemas da população com mais de 60 anos para se locomover é mais um tema da série "Retratos da Terceira Idade", que já abordou assuntos como a participação deles na economia. No Estado do Rio, quase metade dos 2,08 milhões de idosos tem o Rio Card Sênior, que garante a gratuidade nos transportes públicos aos maiores de 65 anos: segundo a Fetranspor, há 997.860 portadores do cartão.
Em dois dias percorrendo pontos de ônibus em Copacabana, bairro com a maior proporção de idosos na cidade (23,15%, segundo o Censo 2010), O GLOBO perguntou a 55 deles se estavam satisfeitos com o serviço. Desse total, 36 se disseram insatisfeitos, 14 satisfeitos e cinco razoavelmente satisfeitos. Na ouvidoria da Comissão dos Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), considerando as queixas de idosos, os transportes públicos lideraram no primeiro semestre do ano, com 23% delas. Já no Disque-Idoso, também da Alerj, de janeiro a setembro, os transportes ficaram em terceiro lugar no ranking, perdendo para denúncias de violência e saúde.
"Subir e descer é a pior parte"
Esperando por um ônibus da linha 484 na tarde de ontem, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, a moradora da Penha Laerci Almeida, de 72 anos, ficava ora sentada, ora em pé para ver qual ônibus se aproximava. Com a uniformização das cores da frota, ela diz que não consegue mais diferenciar as empresas e fica mais difícil saber qual linha está chegando. Para piorar, Laerci conta que muitos motoristas passam direto ou param longe do ponto - essa foi a queixa mais ouvida na enquete. Na chegada do 484, o motorista provou que Laerci estava certa: ele parou a cerca de vinte metros do ponto e lá foi ela correndo atrás dele.
Embarcar e desembarcar com tranquilidade é outro desafio. Além da grande altura do degrau, os idosos enfrentam a pressa dos motoristas. O casal Therezinha de Freitas, de 75 anos, e Murilo Martins de Freitas, de 85, moradores do Rio Comprido, usa uma estratégia, que ela explica:
- O ideal é ter mais gente para descer depois da gente, porque aí o motorista tem que esperar. Subir e descer é a pior parte. O degrau é alto.
A pressa de um condutor da linha 898 (antiga S3) custou à aposentada Maria Elena dos Santos, de 66 anos, um problema de coluna. Há alguns meses, ela entrou num ônibus dessa linha e, antes de ela se sentar, o motorista começou a fazer manobras bruscas:
- Não caí porque me seguraram, mas levei um tranco e tive que ficar cuidando da coluna.
Para a advogada Darcy Lopes, de 70 anos, o pior é ser ignorada pelos condutores:
- Sempre que podem, evitam parar para pegar um idoso. Às vezes, peço para outra pessoa no ponto fazer sinal. Falta paciência com o idoso. Antigamente, pela melhor acessibilidade, usava mais o metrô, mas hoje ele vive lotado.
Essa é a maior queixa dos idosos em relação ao metrô, que recebe cerca de 40 mil deles por dia útil - 6% do movimento. Segundo a Metrô Rio, as estações mais usadas por idosos são as três de Copacabana e Saens Peña.
A Secretaria municipal de Transportes explica que o visual da frota foi padronizado para ordenar o sistema. O órgão informou ainda que a frota tem ganho veículos dotados de piso baixo e que a licitação do sistema prevê o treinamento constante dos motoristas e cobradores. Já o sindicato Rio Ônibus disse que a falta de paciência dos condutores é uma atitude inadequada, tratada em treinamentos nas empresas e em programas como o Rodoviário Cidadão.
No próximo dia 15, começam a ser realizadas nas 30 linhas que mais transportam idosos no Rio as pesquisas do projeto Comitê do Motorista Amigo do Idoso. Ele reúne o Centro Internacional de Longevidade Brasil (CIL), Rio Ônibus, Fetranspor e Secretaria de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida no esforço de preparar melhor os motoristas a lidar com essa população. Segundo Alexandre Kalache, presidente do CIL, a previsão é iniciar os treinamentos no primeiro trimestre de 2013. Marli Piay, assessora de recursos humanos do Rio Ônibus e representante do sindicato no comitê, conta que a linha campeã de viagens de idosos por mês na Zona Sul e Grande Tijuca é a 415 (Usina-Leblon), com 52 mil.
No transporte intermunicipal, os idosos precisam conviver com as tentativas das empresas de burlar a lei da gratuidade. Algumas linhas não têm ônibus urbanos (de duas portas), em que os idosos têm passe livre em qualquer caso, diferentemente dos ônibus especiais. A ouvidoria do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro) registrou entre janeiro e setembro 237 reclamações sobre falta de ônibus urbano e 44 sobre recusa de gratuidade. Segundo o Detro, o valor da multa para a empresa que impede a gratuidade é de R$ 2.014,26. Neste ano, foram aplicadas 15 multas desse tipo.

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